Se tem uma pessoa que pode falar sobre esse tema com tranquilidade essa pessoa sou eu. Tive no armário por breves períodos, em momentos em que era mesmo para me salvar, mas nunca foi a situação que me sentia confortável e protegida, era angustiante para mim pensar que estava mostrando algo que não era eu. Portanto, rapidamente, tratei de enfrentar tudo e todos e pagar o preço, que não foi baixo, por escolher viver fora do armário o máximo possível.
Daí alguém vai dizer! Mas você ficou no armário durante quase cinco anos aqui no blog. Não nego que era uma espécie de armário, mas só algo parecido, já que nunca tentei aparentar algo que não era. A minha vida não é o blog, o blog é uma parcela ínfima do que sou como pessoa, aqui é apenas um lugar que coloco alguns dos meus pensamento. No meu cotidiano não vivo em armários. E se a gente for cavucar mesmo a vida de cada blogueiro, vai me dizer que todos contam absolutamente tudo de cara? Claro que não, a gente vai conquistando nosso espaço, os leitores, para depois abrir as questões mais densas. Se tem exceções? Tem, sim!! Eu mesma no meu primeiro blog, assumi de cara desde o primeiro post que era transexual e ainda colocava meu nome completo e foto. Acho que tive mais problemas em colocar meu nome todo, do que propriamente com a questão trans.
A novela Amor à Vida trouxe um tema interessante que é questão do personagem Félix, um gay não assumido, de armário, que se casou com uma mulher para levar uma vida de fachada. É bom quando novelas colocam temas polêmicos, porque a sociedade passa a debater a matéria. Debates normalmente levam a esclarecimentos e acho válido, mesmo que o formato de novela seja algo direcionado para um pessoal que não quer pensar muito. Mas nada contra, sou noveleira assumida.
Há muitos anos atrás, quando eu me apresentava como um gay na sociedade, já era assumida(o) no trabalho, em casa, para os amigos. Nunca criei relacionamentos e historinhas para fingir ser quem não era. Se sofri por conta disso? Muito! Porque tudo isso foi numa época em que a violência contra os gays era a mesma de hoje, o preconceito era escancarado, não existia o politicamente correto para amenizar nada e não exista na sociedade nenhuma representação ou luta pela causa gay, então era cada um por si. Sofri muito sim, mas acho que mesmo assim ainda valeu mais que ficar no armário
Engana-se quem acha que transexual é aquela que desde pequena se veste como mulher e chega na adolescência toda feminina. Principalmente as trans da minha geração foram muito sufocadas por um preconceito mais pesado. Diria que a grande maioria das trans da minha idade simplesmente não conseguiram se assumir, muitas formaram uma família no papel de homem, vivendo vidas falsas, completamente infelizes. Eu conheço inúmeras histórias.
Pela minha experiência, paguei um preço mais alto, bem mais alto por me assumir transexual, do que quando me assumi gay, parece que a sociedade ainda segrega mais que tem a minha questão sexual. Mas não é algo que possa afirmar com certeza, só que comigo senti que foi assim.
Sei que o que vou dizer pode gerar uma polêmica, mas se digo é porque tenho conhecimento do assunto, pois vivi. Posso entender porque uma pessoa viveu no armário há trinta anos atrás. Já que a sociedade era bem outra, você não tinha nenhum apoio externo. Mas não consigo entender muito bem o motivo de uma pessoa viver no armário nos dias de hoje, em que sair do armário ajuda da luta contra o preconceito, já que tem tantos movimentos a favor do questão LGBT, já que a mídia ajuda, o politicamente correto ajuda. Ficar no armário é simplesmente lavar as mãos, é dizer que aquela causa não é sua, é não colaborar em nada, é deixar o "trabalho sujo" nas mãos dos outros. Se você não quer levantar bandeiras, ir a passeatas e etc, tudo bem!! Mas é essencial ser verdadeiros consigo mesmo e com quem te rodeia, com as pessoas que fazem parte da sua vida. Já pensou que você pode não mudar uma sociedade, mas pode mudar a cabeça de algumas pessoas?! Eu mudei!!
Não assumir sua sexualidade ou questão de gênero, é bem como disse a jornalista Barbara Gancia: "A pessoa tem todo o direito de ficar no armário, ela não é obrigada a abraçar nenhuma causa, mas ficando no armário, ela só está exercendo mesmo o direito de ser infeliz sendo quem não é". Amei essa frase porque resume tudo que acho e vivi a respeito. E sonho com o dia que todos possam sair dos seus armários com menos dificuldades.